quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Asfixia é hábito, anestesia é vício.




Levantar-se antes do sol quase sempre quer dizer que é hora de emergir. Assim: tornar-se emergência de si, porque o seu amor não tem mais muito tempo, não tem mais as mãos limpas, o olho doce, as roupas leves.

Um gole enorme de ar que sufoca mais do que a falta dele e, enfim, só por isso, perceber: o mundo girou sem precisar de você dentro dele. Mas sem fazer alarde, sem mandar beijos no ar, sem discutir as repercussões disso, voltar a si. Cumprir promessas, chegar no horário, saber.

Institucionalizar a própria auto-defesa, os medos infundados (não os são todos?), o sentir-se-ridículo-chorando-antes-de-dormir. Parece difícil, requer coragem, dizer o que se sente. que diferença faz? Uma luz forte que deixa a visão cheia de falhas, a verdade é isso. E é engordurada, pegajosa. tem cheiro enjoado de festa de criança pequena.

Amanhã tudo muda, invertem-se funções, desinventam-se escolhas, enfia-se um saco pela cabeça até não haver mais oxigênio pra alimentar o fogo que a gente tem nos olhos, que se espalha pela nuca, que se transfere entre as bocas.

Asfixia é hábito, anestesia é vício.

Mas não te avisaram: não se perde pessoas, o que se perde é um ritmo sincrônico. Há muitos anos ouvi: o nosso tempo já passou. Foi um prego que perfurou a méu tímpano e afundou a base do crânio. Quando puxei de volta não mudou nada. Mas dói até hoje. Faço compressa de água quente quando o dia termina; só melhora quando acordo.

Lembra de quando a gente tinha um jardim?
Me deu saudades, isso.
Dos tempos em que a gente amava em silêncio, de quando a neblina era bonita e tinha cheiro de camomila.

Sobrou uma poça. De contradição e incerteza. Mas quem não é?

Vamos continuar sendo orgulho e desmatéria, uma sucessão de eventos duvidosos que parecem integralmente novos. Mas são os mesmos de sempre. Fazem a gente pensar: como a nossa vida é medíocre. Articular palavras vai continuar sendo uma prática obsoleta.
Conformar-se: promessas são quebradas antes de serem feitas.

(Ironia: descobri como se diz "desapego" em ortografia.)

(Tem coisas que todo mundo sabe: ler música, fazer sopa, escolher maracujá. Tem coisas que não se ensina.)

Queria estar acessível, queria ser transmutável. Mas me desmascararam...

Escorri no vão.
Entre o trem e a plataforma.
Entre o que já foi e o que nunca mais.

1 comentários:

Anônimo disse...

É indizível a viagem que faço cada vez que te leio. Meio me vejo, meio te sinto, meio quase que sei do mundo inteiro, apenas por suas palavras. Passa a dor, vem o sorriso, depois tudo se mistura e aquela vontade de chorar lá no fundo pergunta pra sim mesma se é agora a hora. Não sei... quem sabe a hora exata?