domingo, 31 de agosto de 2008

Restos

Tornar-se mais velho, mais chato, mais cansado. Injusto?

Tudo o que fica, no final (que nunca é o fim, nunca, nem quando param de pulsar os corações), é o som indecifrável da tv do vizinho, o apartamento estalando como um estranho, um barulho de motor e pneus de carro voltando pra casa muito depois da hora; alguém espera, ninguém espera. Tudo escondido por trás dos muros que construímos pra nos proteger.

O que sobra são essas coisas sozinhas.

Ninguém mais suporta ouvir falar: gente sozinha, ideal sozinho, dormir sozinho, falar sozinho. Até virar quase um zero mesmo (a quantidade de anulações tende ao infinito).

O vazio é um lodo intransponível que corre por dentro de encanamentos, postes, fios, veias, troncos de árvores. E vai se espalhando febrilmente, se estagnando por entre réplicas e tréplicas ou súplicas irreversíveis.

A solidão é um troço que faz a gente abrir a geladeira sem estar com fome ou sair por aí com umas pessoas bem barulhentas pra tentar estar junto. Pra asfixiar o vácuo de dentro que não está bem lá dentro, e sim nas superfícies, nos domingos de sol muito claros que contraem os olhos.

Que nem quando chegamos...

Cada um de nós tinha tanta farpa que tivemos de enrolar os braços em papel bolha pra não acabarmos tendo de ir ao hospital levar ponto.
Num acordo mútuo, dançamos uma valsa antes de começarmos a consertar o mundo. O nosso.
E prometemos dançar outra depois que acabássemos.
Faz uns cinco anos isso e ainda não dançamos a segunda valsa...
Nem vamos.

Tanta gente se separou desde então.
De seu par, de si próprio, do mundo...
Tanta depressão foi escrita, encenada e filmada.
Tanto sexo foi feito pra tentar tapar buraco.
Tanta mentira foi contada com aquela desculpa escrota de não magoar o outro.

Que por enquanto chega-se ao extremo de não saber mais...
Se ganha-se mais dinheiro pra realizar uns sonhos que vão exigir que se ganhe mais dinheiro.
Se vale à pena se sentir tão triste por tanto tempo pra depois ficar tudo bem. (se é que vai).
Se rabisca-se todas essas conclusões desesperadas e se volta-se ao ponto de partida.
(mas onde fica mesmo o ponto de partida?)
Já teve tanta coisa depois dele...

Teve aquele beijo. Naquela festa. Naquela noite que virou dia sem que a gente percebesse.(a verdade é que daqui a uns 40 anos vamos nos lembrar desse beijo. E, do resto, quase nada.)

Agora é assim: nada combina com nada.

Mas não se preocupa, vou voltar lá pra te buscar...
Lá onde perdi: minha pipa pro céu... minhas lágrimas pra água da piscina... meu cordão pra correnteza do rio... meus sorrisos pra cada uma das suas gentilezas, olhares, papéis de embrulho bonitos, escolhidos com carinho... meus caminhos... pra cada porta que se abra bem longe daqui.

Vem...


Me ajuda a lavar essa louça toda?

Prometo que depois a gente fica a tarde toda molhando as plantas até dar a hora da chuva, que eu finjo não gostar.
Dizem que é pra te manipular, mas você olha o meu cabelo molhado, a roupa ficando transparente, me aperta contra o seu peito e diz que é tudo charme, que eu nasci e vou morrer fazendo charme, e eu me controlo pra não achar graça, falo pra você não fugir do assunto, você não diz nada e aperta os olhos, aperta a chuva e você olha bem através dela, abre a boca não porque tem sede mas porque eu sabia e a provisão vem sempre de cima.

(menos música: vem da onde, música?)

Eu digo vamos pra dentro porque tenho medo dos raios, e desses eu tenho, não é charme, você sorri.
Arranca um ramo de capim limão pra fazermos chá e me leva pra dentro, me leva pro barco de papel, porque só assim a gente consegue sair de casa no meio desse dilúvio.

Deixa eu pegar o guarda-chuva.
Esfriou, é melhor você levar teu casaco.
Mas agora já saímos, vamos perder a hora.
(pai, quando se perde a hora, pra onde é que ela vai?)
Então deixa, qualquer coisa você veste o meu casaco.
Mas aí você é que vai ficar com frio.
Não tem importância.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Fim

Se ainda faltava alguma coisa a ser dita, se ela, ainda que intimamente, aguardava por alguma coisa a ser ouvida, então já não aguarda mais.

Um telefonema no meio da tarde vem trazer a descoberta daquilo que ela já soube de mais bonito... Veio trazer pra ela a realização de ter cumprido sua missão e a tarefa de continuar cumprindo...

Porque não haveria poesia, nem a dela nem a dos outros (que ela toma como se dela fosse), se antes de tudo não houvesse ele, que permitiu que a menina se libertasse e voasse pra longe, sem elos... Liberta de qualquer amarra que impedisse sua poesia, sua arte e sua escrita de ser aquilo que se transformou.

Porque a entrega de ambos inspirou mais do que belos textos... Aguçou o gosto, o bom, por tudo que ainda havia de belo e não descoberto. Doutrinou o faro pra aquilo que foge aos outros, mas não poderá nunca fugir dos dois... As boas músicas, as boas letras, a delicadeza das melodias, dos livros, a poesia... os cafés.

Agora, do lado de fora da janela, é como se tudo fosse ficar lá dentro. Dentro do baú que providenciamos nessas horas. Mas não, acredite... Porque aquilo que lhe foi dado será pra sempre dele, e ele carregará pra sempre as notas que introduziram cada sentimento da poesia que ela trouxe pra sua vida ...

E ela estará sempre por perto... Pra lhe alimentar de poesia, e assim, se alimentar também... Nem que seja por alguns minutos... Nem que seja pelo resto da vida.

domingo, 10 de agosto de 2008

1º Ato


Por dentro ainda a tentativa de entender como tudo isso foi acontecer.
Por dentro a certeza absoluta de que nada há de novo, que essa sintonia já existia ali, em algum lugar, represada, esperando apenas o momento certo de se ver livre novamente.

(O dia em que os olhos se cruzassem. Era a senha. O momento chegou.)

Na solidão mútua da multidão vazia, se reencontraram sem nunca terem se conhecido, mas se não houve uma primeira vez antes daquela noite, então nunca haverá... Porque o tanto que se descobriu já existir era muito para uma primeira vez.

Do suposto primeiro beijo à lembrança latente do último que ainda é sentido aqui, todos os caminhos levam a creditar que essa já é uma estrada de dois... Que desde de aquele dia já são eles um par.

No meio da efemeridade das relações atuais, sabê-lo ali, tão disposto, desarmado e livre, foi como um bálsamo, como a chance intimamente esperada por ela de se fazer feliz novamente, e, por já estar de mãos dadas com ele, fazê-lo também.

Quando as cortinas se abriram, o orgulho sentido pela menina da flor no cabelo preencheu os espaços, aguçou cada micro sentido de perceptividade para compreendê-lo ali, onde o tudo do menino ganha vida, e, se é que isso é possível, se torna ainda mais bonito.

Na platéia descobrir-se dele. Descobrir que nada mais pode haver de diferente disso. Saber que ali, de um outro ângulo, através das cortinas, também se esconde aquele que já é dela, porque teve a ousadia e a coragem de se enxergar assim.

De novo, a vontade constante de tê-lo por perto e de cuidar desse tudo que se apresenta, pra que um dia toda essa história possa ser contada... e pra que ela permaneça para sempre viva. Vida.

Manual



Anda, grita!
Me arrebenta de pancada, cospe na minha cara, diz que te enojo.
Só não fica aí estático com essa cara de babaca, fingindo que me entende, dizendo que me ama...
Não mente, porque agora quem se enoja sou eu, de ver atolado no seu mar de histórias descabidas.
(E eu me finjo de imbecil, porque adoro ver você se enchendo da certeza de que te pertenço, e que isso é incondicional.)
Burra, cega, apaixonada... É assim que me comporto ao ficar próxima de você e sinto o seu prazer nisso escorrer pelos seus poros, te deixando suado com as minhas atenções.
Agora eu estou aqui e você está aí.
E não finja que isso te basta porque eu sei que não é assim.
Não me dê boa noite me desejando pesadelos, e não me deseje um bom dia se pretende que eu continue sendo sua,
Cansei de ser julgada, culpada, coagida.
Cansei de me fazer de vítima, de ser menina, de jogar seu jogo.
Cadê as regras desse jogo onde o prêmio é você?
Cadê as regras desse jogo onde não existem equipes?
Cadê as instruções pra eu saber como é que eu faço pra virar a mesa... e jogar pratos garfos e guardanapos no chão?
Me ensina você que sabe tudo, como é que faz pra se dar com gente do seu tipo... ou não se dar.
Porque tu não conjuga o verbo dar, só o verbo receber
O verbo dar é exclusividade do eu, eu que conjuga dar, conjuga viver, conjuga amar...
Eu, que conjuga tudo que tu jamais vai experimentar.
Anda, vem aqui...
Me empresta sua pele, me dá sua saliva.
Anda, tira minha roupa que preciso dormir...
E por favor, apague a luz.

(2007)

Divindade Silenciosa

De repente sou uma cantora num mundo de deuses surdos. Surdez que tem o sabor quase agridoce dos que se recusam a aceitar... Aceitar as ondas, que vêm sonoras... pra nos fazer enxergar.
Pense que tudo é luz. E a luz é picante.
Num banco da praça a moça olha pro chão, e nesse momento ela é a deusa. (Porque nessa horas sempre ficamos de cabeça baixa, e não importa quando, mas chegará o dia e que você também não vai querer aceitar.)
Ao contrário dela, ele desliza. Está bonito. Livro na mão, falando sozinho. Não percebe a divindade silenciosa diante de si. Na verdade teve os sentidos retardados quando escolheu enfrentar.
(Diga a eles que não vou esperar a passagem. Vou começar agora. As coisas já mudaram e eu vou assim mesmo.)
Hoje ele é leve, é luz... Hoje é picante. Tentou trazê-la, mas ela não quis. (Certas coisas podem ser muito fortes para um tipo agridoce.)
E agora ele vai.
E ela? Ela fica, ela sobra, ela resta. Ela manifesta o desejo reprimido de provar que pode sim transformar tudo em festa... Mas então atesta que já não pode mais.
E era uma vez.

(2007)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

P.S

Pela primeira vez imaginou como será a vida realmente só.
Teve medo.

Pensou na menina romântica da mesa do bar, lembrou de sua pergunta e viu que talvez ela tivesse razão...
Afinal, o que falta?

(Não sabe. Nunca saberá.)

Naquele instante só conseguia lembrar daquilo que sobrava...
O amor latente se desesperando dentro dela.
A dor e a angústia que essa ausência anunciada trará.
As coisas lindas que ainda precisavam ser vividas, mas que não serão.
Nunca mais.

(Sem o outro um pouco do tudo perderá o sentido.)

Naquele instante só conseguia pontuar os momentos da vida em que foi mais feliz, e descobriu que quando se enxergava nessas horas, o outro também estava lá.

(E agora, como vai ser?)

Num cúmulo de ousadia e apego, quis guardar o cheiro, quis ter pra sempre o gosto, quis tatuar no corpo cada parte do dele que ela nunca mais vai conseguir esquecer.

Quis saber onde o tudo dele foi parar.
Onde o amor, que era tão magicalmente essencial se escondeu... e por que é que ele agora não conseguia mais encontrar.

A dor foi anestesiando o desespero e a vontade de que tudo não passasse de um sonho ruim. Mas as lágrimas que lhe banharam a face foram de um gosto salgado a amargo pôr pra fora aquilo que ela já não podia mais guardar.

(O amor de dois quando passa a ser de um só, se não for expurgado intoxica e mata.
Então ela decidiu chorar.
Então ela escolheu viver.)

domingo, 3 de agosto de 2008

Grandeza


(Quis deixar registrado antes que tudo se tornasse apenas a lembrança de um sonho mal interpretado. Quis deixar registrado antes que outros pudessem interferir no que precisava ser puro, limpo, sincero... Quis deixar registrado antes que tudo virasse uma outra coisa... e se transformasse.)

Hoje tive um sonho e por um momento cheguei a acreditar que tudo fosse verdade.
Sonhei com uma melodia sonora. Sonhei com os caminhos. Sonhei com a praia. Vermelha. Você.
Sonhei que em uma tentativa desesperada de fazer parte, tentava te ler por dentro. Tentava alcançar o tanto que se esconde aí... menos na cabeça e mais no coração.
Então pela primeira vez te olhei nos olhos pra te ouvir menino, observar teu risco, e, por querer te alcançar, me arriscar também.

(Tolice minha achar que podia. O que você traz aí dentro é muito maior do que todas as coisas que eu poderia carregar. Pra mim.)

E eu então, me contentei em ficar ao longe... Pra ver se te descobrindo, me descobria também.
E sim. E não.
Ao despertar, saber que livros, Chopin e cumplicidade podem representar muito, sem que esse muito coloque tudo a perder.

(Você, menino, é das coisas grandes sem que eu precise engrandecer. E mais uma vez, obrigada.)